sábado, 13 de julho de 2024

Pequena História do Rock no Brasil

Anos 50, os primeiros passos

Recém nascido nos EUA, o rock and roll pegou a juventude brasileira, como a do resto do mundo, de surpresa, pois até então os jovens não tinham um ritmo musical próprio e nem acesso às salas-santuários, onde mamães e papais ouviam boleros, samba-canção, tangos e, os mais radicais, big bands, Frank Sinatra e Doris Day. Assim, quando o rock aportou no território nacional, por volta de 1955, incendiando as festinhas e os cinemas, e pressionando as gravadoras por lançamentos, quem primeiro tocou e cantou o novo ritmo foram as orquestras de jazz e os cantores tradicionais.

Intérprete de sambas-canções, a cantora Nora Ney cantou o primeiro rock (em inglês) – Ronda das Horas/Rock Around the Clock, lançado em novembro de 1955, pelo selo Continental, que imediatamente passa a ocupar o primeiro lugar da parada da Revista do Rádio, de Janete Adib. No início de 1957, o filho do violonista Josué de Barros - descobridor e acompanhante de Carmem Miranda -, Betinho (& Seu Conjunto) grava o primeiro rock com guitarra elétrica - Enrolando o Rock, trilha sonora do filme Absolutamente Certo, relançado recentemente pela revista Isto É, na série Isto É Cinena Brasileiro. E, na mesma época, Miguel Gustavo (o mesmo de Pra Frente Brasil - hino da Copa do Mundo de 1970) compôs o primeiro rock com letra em português - Rock and Roll em Copacabana, interpretado por Cauby Peixoto, então o cantor mais popular do país.

O filme Ao Balanço das Horas, por sua vez, que entrou em cartaz no final de 1956 nos principais cinemas do país, encarregou-se de espalhar o novo gênero musical, provocando tamanha confusão, que levou diversas autoridades a pedir a sua proibição. O prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, por meio de seus famosos bilhetinhos, ordenou ao seu Secretário de Segurança que "determinasse à polícia deter, sumariamente, colocando em carro de preso, os que promoverem cenas semelhantes; e, se forem menores, entregá-los ao honrado juiz". Completando o quadro tragicômico, o Juiz de Menores de São Paulo baixou uma portaria proibindo o filme para menores de 18 anos, argumentando (com irônica precisão) que "o novo ritmo divulgado pelo americano Elvis Presley é excitante, frenético, alucinante e mesmo provocante, de estranha sensação e de trejeitos exageradamente imorais".

No entanto, à revelia da reação hipócrita, e de 1957/8 praticamente sem lançamentos do gênero, o movimento ganhou corpo com a chegada às lojas, em junho de 1958, do histórico 78rpm - Forgive Me/Handsome Boy (de autoria do maestro Mário Gennari Filho e letra de Celeste Novaes), dos irmãos Tony Campello e Celly Campello, vindos do interior de São Paulo. A partir da entrada dos irmãos Campello em cena, a história do rock brasileiro passa a ganhar identidade, abrindo espaço para o surgimento de programas de rádio e televisão - com Crush em Hi-Fi, apresentado pelos dois - novos ídolos, especialmente Sérgio Murilo, e hits sensacionais, como Banho de Lua, Estúpido Cúpido e Marcianita, entre dezenas de outros. Além dos grandes centros, no Rio Grande do Sul, por exemplo, a ausência de intérprétes juvenis locais também é suprida pelas orquestras de baile, no casos os conjuntos melódicos, como Poposky & Seus Melódicos, que reproduzia o visual e o repertório de Bill Halley & His Comets, e tinha entre seus membros o guitarrista Olmir "Alemão" Stocker.

Até o final da década, surgem novos intérprétes como Demétrius, Sonia Delfino, Baby Santiago ("o nosso Chuck Berry", segundo professor Teothônio Pavão, pai de Meire e Albert), Wilson Miranda e Ronnie Cord, entre outros, que dividem o panteão de heróis da primeira fase do rock brasileiro. Adentrando os anos sessenta, e misturando-se com o rock instrumental e a surf music, o rock de três acordes ainda contou com a incursão de artistas multimídias como Jô Soares, que gravou o compacto Vampiro/Volks do Ronaldo (1963) e Moacir Franco, que gravava sob o codinome de Billy Fontana, acompanhado de Betinho e Seu Conjunto. Ainda nesse período, também dão os primeiros passos os grandes ídolos da década seguinte, especialmente Erasmo Carlos com seu The Snakes, Eduardo Araújo, que grava a sensacional Prima Daisy, e Renato e Seus Blue Caps, que faz sua primeira gravação acompanhando o grupo vocal Os Adolescentes.

Anos 60, do instrumental à psicodelia

A música jovem brasileira dos anos sessenta foi marcada, principalmente, pelos movimentos Jovem Guarda e Tropicália, ambos fundamentais para o desenvolvimento de uma linguagem musical jovem no país. A Jovem Guarda, diretamente derivada do rock, apesar de uma certa resistência inicial, significou a mais profunda tradução da invasão britânica, patrocinada pelos Beatles, Rolling Stones e companhia. A Tropicália, por sua vez, mais ampla, introduziu a guitarra na tradicional MPB e o discurso político no rock, alargando os horizontes da música brasileira.

Mas, antes disso, a década iniciou com a forte presença do som instrumental, e seus derivados como a surf music, o twist e o hully gully - os dois últimos mais voltados para a dança. Influenciados pelos ingleses The Shadows e pelos americanos The Ventures, grupos como The Clevers (depois Incríveis), The Jordans, The Jet Blacks e The Rebels, especialmente, marcaram a cena musical pré-beatlemania. Entre 1961 e 1964, Ronnie Cord (Rua Augusta) e o grupo carioca Luizinho e Seus Dinamites, com o álbum Choque que Queima, já promoviam uma espécie de transição entre a fase puramente instrumental e o rock novamente cantado.

Com o surgimento dos Beatles, o rock brasileiro explodiu com a Jovem Guarda, que desdobrou-se em programas de televisão - o mais importante deles, na TV Record, apresentado por Roberto Carlos - shows ao vivo e inúmeros discos, entre lps e os lendários compactos. Liderada por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, a Jovem Guarda envolveu a juventude em todo o Brasil, promovendo o surgimento de fortes cenas regionais, especialmente em Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, e no Nordeste do país, fora dos grandes centros de São Paulo e Rio de Janeiro. Além dos três, destacaram-se ainda os grupos Renato e Seus Blues Caps, The Fevers e The Sunshines, entre outros, e duplas duplas vocais e intérpretes como Os Vips, Deny & Dino, Jerry Adriani, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso e Sérgio Reis.

Já a Tropicália, revolucionou a Música Popular Brasilieira a partir de 1966, com a entrada em cena de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Rogério Duprat e, de forma especial, do grupo Os Mutantes - o elo que unificou todas as tendências musicais jovens nacionais e mundiais. Nos festivais e em discos como os primeiros de Gil, Caetano, Mutantes e, especialmente, no coletivo Panis et Circensis, o movimento tropicalista gerou profunda e polêmica mudança no mundo musical brasileiro. Superando a reação conservadora, e apoiados em instrumentistas como o guitarrista Lanny Gordin e poetas geniais como Torquato Neto, os tropicalistas deixaram obras primas como Alegria Alegria, Domingo no Parque e Bat Macumba.

Além desses espaços mais visíveis, o som de garagem também marcou a sua presença no cenário roqueiro nacional, por meio de inúmeros grupos até hoje praticamente desconhecidos. Som Beat, Os Baobás, The Beat Boys, The Beatniks, The Galaxies, Analfabitles, e tantos outros, são nomes que marcaram o rock nacional, gravando lps e, na maioria dos casos, apenas compactos. Além das grandes gravadoras, selos alternativos como Rozemblit, com sede em Recife (PE) e filiais em São Paulo e Rio de Janeiro, e Paladium, depois Bemol, baseado em Belo Horizonte (MG), deram guarida aos grupos mais obscuros.

Apesar do pouco registro, o rock brasileiro dos anos sessenta também protestou contra a ditadura, a guerra e a hipocrisia dos costumes. De Kalafe e A Turma gravaram Guerra, Jorge Mautner o compacto Radioativdade e Não, Não, Não - as duas advertindo para os riscos da guerra nuclear, e Os Incríveis levaram para milhares de jovens a denúncia da guerra do Vietnã com a versão Era Um Garoto Que Como Eu Amava Os Beatles e Os Rolling Stones. Mas, além da guerrilha cultural desenvolvida com os parceiros tropicalistas, foram Os Mutantes quem, ironicamente, em pleno ano de 1970, expuseram a violência ditatorial na versão alternativa do compacto Ando Meio Desligado - onde, quem sabe inspirados em Jimi Hendrix, introduziram samplers de sons de tiroteio e rajadas de metralhadoras na música.

No final dos anos sessenta, por influência do movimento hippie, as vertentes psicodélica, inicialmente, e depois, progressiva, passaram a ocupar seu espaço, produzindo grupos como Liverpool, Os Brazões, Spectrum, Módulo 1000, A Bolha, Moto Perpétuo, Veludo e Vímana. Ainda, novamente misturando rock com MPB e música regional, grupos como Som Imaginário, A Tribo, Equipe Mercado, A Barca do Sol, Ave Sangria, Novos Baianos, Sá, Rodrix & Guarabira, principalmente, abriram um novo caminho sonoro que prosperou nos anos setenta em novos gêneros, especialmente o rock rural - que afirmou definitivamente uma identidade própria para a música jovem brasileira.

Anos 70, a década "cabeça feita"

Os anos setenta foram marcados pelas bandas e intérpretes "made in Brazil", que afirmaram definitivamente a identidade do rock nacional, compondo e cantando em português e, também, ampliando o domínio da técnica, dos equipamentos e dos estúdios. Além disso, foi a década que também introduziu no país os grandes shows, tanto em casas de espetáculos, ginásios e, de forma especial, ao ar livre, que mobilizaram milhares de jovens em todas regiões. É nesta década também que o rock brasileiro passa a atingir o grande público, antes feito limitado a Roberto Carlos, com a venda de mais de 1 milhão de discos do grupo Secos & Molhados, que tinha Nei Matogrosso à frente.

Iluminados pelo exemplo dos Mutantes, dezenas de grupos desdobraram-se em variadas experiências - do rock visceral do Made In Brazil, ao progressivo do Módulo 1000, passando pela psicodelia barroca de A Barca do Sol, pelo rock rural do Ruy Maurity Trio ou pela mistura de progressivo/erudito/música regional do grupo O Terço, entre outros. Destacaram-se ainda, os grupos como O Peso, Bixo da Seda, Arnaldo (Baptista) & Patrulha do Espaço, e Sá, Rodrix & Guarabira, que produziram clássicos álbuns e canções. E bandas completamente obscuras, mas de grande qualidade, como os cariocas Spectrum, autores do disco Geração Bendita, trilha do filme homônimo e clássico da psicodelia universal, além de Bango, Soma, Os Lobos, o gaúcho Utopia e muitos outros.

Em meados da década, prevaleceu o som progressivo, que teve à frente os Mutantes, então apenas com o guitarrista Sérgio Dias da formação original, e outros grupos como os veteranos A Bolha, Som Nosso de Cada Dia, do ex-Incríveis Manito, e os legendários Veludo e Vímana. Um dos maiores eventos do período foi o show Banana Progressiva, realizado no final de maio de 1975, em São Paulo, reunindo os principais grupos de rock da época, com destaque para Vímana, Veludo, A Bolha, Barca do Sol e Erasmo Carlos & Companhia Paulista de Rock. Abrigando um grande número desses grupos, a gravadora Continental, com produção de Pena Schmidt, fez história nos anos setenta como o principal selo roqueiro do país, fato ainda hoje sem o merecido reconhecimento.

O principal feito da década, no entanto, é o surgimento do cantor e compositor Raul Seixas, que depois de liderar o grupo Raulzito e Os Panteras, em meados dos anos sessenta, com quem gravou um lp, e produzir inúmeros artistas para a CBS, entre eles Jerry Adriani, transformou-se no maior roqueiro do Brasil, com sua colagem universal de Elvis Presley/John Lennon/Luiz Gonzaga. Aparecendo na televisão vestido de couro preto e cantando Let Me Sing Let Me Sing, ele abriu as portas para uma carreira que desenvolveu-se até o final dos anos oitenta, quando morreu deixando uma das mais criativas obras musicais e poéticas da história da música brasileira. Músicas como Metamorfose Ambulante, Ouro de Tolo, Como Vovó Já Dizia e Maluco Beleza, entre centenas de outras, transcenderam a linguagem do rock, conquistando ouvintes e fãs de todas as gerações.

Também no início da década, ganhou terreno o que se convenciou chamar de rock rural, que misturou as sonoridades do rock com a música folclórica de diversas regiões do país. Destacaram-se neste movimento grupos como Sá, Rodrix & Guarabira, Ruy Maurity Trio, O Terço, Almôndegas (no Rio Grande do Sul), Banda de Pau e Corda e, de certa forma, outros mais ligados à música tradicional como Quinteto Violado. O grupo Os Novos Baianos, especialmente com o disco Acabou Chorare, fundindo samba com rock e Jacob do Bandolin com Jimi Hendrix, também realizou o mais profundo mix sonora daquela geração, deixando sua marca em músicas como Preta Pretinha, O Samba da Minha Terra e Besta é Tu. Intérpretes como Walter Franco, Jards Macalé, Lô Borges, Tim Maia, Hildon e Beto Guedes, entre outros, também contribuiram para reduzir as distâncias entre o rock e pop nacional, abrindo o caminho para a nova geração dos anos oitenta.

Ainda nos setenta, é importante destacar a "invasão" nordestina que marcou definitivamente a música jovem brasileira, iniciada com a gravação do primeiro disco da leva - Alceu Valença & Geraldo Azevedo, em 1972, e que explodiu com o disco Vivo de Alceu e o hit Avohay, de Zé Ramalho, especialmente. Mas, antes disso, o clássico álbum duplo Paêbirú - O Caminho do Sol, de Lula Côrtes & Zé Ramalho, gravado em 1975, em Pernambuco, pelo selo Rozemblit, consolidou a fusão do rock, em particular da psicodelia, com as sonoridades regionais nordestinas. Depois disso, a partir da segunda metade da década, artistas como Ednardo, o grupo Ave Sangria - que lançou um único e excepcional disco, Robertinho de Recife, Belchior e dezenas de outros deixaram a marca musical e poética da região na música nacional.

Outro marco da década de setenta foi a existência da mais importante publicação sobre o rock já editada no país, o jornal Rolling Stone - espécie de versão nacional do original americano, que durou apenas um ano (1972). Sob o comando de Luis Carlos Maciel, e contando com a participação de Ezequiel Neves, Joel Macedo e o desenhista Lapi, entre outros, a publicação revolucionou a linguagem da imprensa musical brasileira, praticamente inexistente. Em suas páginas circularam artigos, debates, entrevistas sobre os mais variados assuntos e informações sobre os grandes artistas do rock internacional e nacional daquele momento.


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