Deixando a cozinha, Vando entrou em uma sala espaçosa, onde os móveis eram escuros e viam-se gradis, estantes de ferro, muitas plantas, objetos de prata, cristais de Magali, a coleção de armas do doutor Fonseca, o lustre de madeira — um lugar frio no qual raramente o Sol chegava.
Ali, Vando parou. A voz de Benedita continuava na sua memória e o nome de Cacilda pareceu-lhe algo avermelhado, semelhante a fogo. Então se deu conta de que a história de Benedita o impressionara.
Olhou para a porta do escritório do pai. Que histórias estaria ele ouvindo? O que dona Norma estaria dizendo?
Sentou-se nas almofadas sobre o banco de alvenaria no canto da parede, abaixou os vidros que davam para o jardim e ficou observando o trabalho do vento. Aí, começou a pensar em Glorinha — tinha um encontro com ela no sábado, na danceteria. Que férias chatas, aquelas! E ele que tanto tinha pensado em passar uma semana na praia...
Continuava pensativo quando ouviu vozes e viu dona Norma saindo. Era baixa e tinha cabelo grisalho.
— Faça o que o senhor achar melhor — disse ela. — Jamais porei os pés na casa onde ela matou meu filho!
E o advogado, em pé à porta:
— Pode deixar. Darei um jeito em tudo.
Dona Norma respirou fundo:
— Obrigada, doutor... e cuidado! Ela era feiticeira. Deve ter deixado o mal naquela casa. Por favor, tenha muito cuidado!
— Não se preocupe. Sei tomar conta de mim.
Então, com passos rápidos, dona Norma atravessou o jardim e desapareceu.
Fechando a porta do escritório, doutor Fonseca entrou na sala. Viu o filho olhando para fora.
— Oi, Vando.
— Oi, pai...
— Algum problema?
— Quem era aquela mulher?
— E indicou com a cabeça.
— Uma cliente que me pediu para cuidar de uma herança.
— A do Miguel Júlio?
— Como você sabe?
— A Benedita me contou.
— A Benedita é quem deveria ser o advogado nesta casa. Ela sempre sabe de tudo antes de nós.
— É verdade o que a Benedita disse?
— O que ela disse?
— Que o Miguel Júlio se casou com uma moça de olhos verdes e cabelo vermelho. Depois, sofreu um acidente e morreu de um modo que ninguém nunca soube explicar... A Benedita também falou que a dona Rosa-benzedeira já havia prevenido dessas desgraças bem antes de acontecer porque sentia algo muito estranho na tal mulher de cabelo de fogo.
O advogado riu.
— Não sei, filho — respondeu. — Há coisas que não conseguimos explicar. Minha experiência me ensinou que devemos aceitar aquilo que não compreendemos, e sobre o caso de Miguel Júlio ainda não sei nada. Talvez eu possa dizer alguma coisa depois de visitar a casa, em São Paulo...
— Poxa, o senhor vai lá?
— Vou.— E, dizendo isso, doutor Fonseca abriu a mão deixando à mostra duas chaves douradas presas a um cartão vermelho com o endereço. — Aqui as chaves... Vou fazer o inventário e pedir a um corretor que coloque o imóvel à venda. Dona Norma disse que a casa foi fechada pouco depois da morte do filho...
— Faz tempo?
— Quase três anos.— E colocou as chaves na estante.
— Por que ela demorou tanto tempo assim para se mexer?
— Porque não tinha coragem para enfrentar os fatos.
Benedita apontou na porta:
— Telefone, doutor. Do Fórum.
Fonseca agradeceu e foi atender.
Vando continuou no mesmo lugar. Porém com os olhos fixos nas duas pequenas chaves.
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