sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

O enigma da casa de vidro - Cap. 4

O sábado amanheceu ótimo para uma piscina. Vando pulou da cama e desceu correndo para a cozinha. Sentando-se à mesa, começou a tomar café.

— Cadê o povo?

— Sua mãe foi ao cabeleireiro e seu pai saiu.

— Glorinha telefonou?

— Não, graças a Deus.

— E por que graças a Deus?

— Porque ela fica duas horas falando como se eu não tivesse o que fazer!

Depois do café, quarto e música. Talvez jogasse futebol ou fosse à piscina à tarde. Por volta de meio-dia, desceu para almoçar. Sem pular os degraus.

Após a sobremesa, os últimos preparativos. Magali aproveitava para exagerar em tudo — e quem corria era Benedita. Só parou um pouco ao sentar-se no automóvel.

— Vando — segurou o filho pelo braço —, nada de extravagâncias durante a nossa ausência, hein?! Voltamos domingo à noite.

— Está bem, mãe — Vando deu-lhe um beijo de despedida. — Pode ir sossegada.

Quando o automóvel virou a esquina, a cozinheira desabafou:

— Sua mãe vai acabar me deixando maluca! — E entrou na casa.

Vando também entrou e sentou-se nas almofadas da sala. Pensava em Glorinha, na piscina, na balada à noite... Até que seus olhos foram atraídos pelas chaves. O corpo estremeceu, como se tocado por eletricidade. Por que elas o fascinavam tanto?

Levantou-se. A ideia era voltar para o quarto e ouvir música. Mas aquelas chaves...! Então foi até elas, pegou-as e ficou observando-as na palma da mão: estremeciam a cada batida do seu coração, como se tivessem vida própria. Ao mesmo tempo, pareceu ouvir um eco dentro de si: "Jamais porei os pés na casa onde ela matou meu filho!... Cuidado! Ela era feiticeira. Deve ter deixado o mal naquela casa... tenha muito cuidado!".

De repente, uma ideia absurda lhe iluminou o rosto. Embora não curtisse histórias de terror, reconheceu que uma força estranha começava a dominar-lhe a vontade.

— Rapaz! — disse, baixinho. — Por que não pensei nisso antes? Guardando as chaves no bolso, correu ao telefone:

— Gló? Tenho uma notícia pra você: não vou à piscina à tarde nem te encontrar à noite. É que preciso viajar pra São Paulo...

Do outro lado, a voz estrilou.

— Preciso ir, Gló! Não, não vou com amigos, vou sozinho, de moto. Por quê? É que tenho uma coisa importante a fazer... Por telefone não posso explicar. Eu...

Irritada, Glorinha desligou. — Bestinha! — xingou Vando, batendo o telefone. Correu até a cozinha.

— Benedita, vou sair.

— É só os seus pais virarem as costas e você inventa de bater asas. Não ouviu o que sua mãe disse?

— Mas acontece que preciso sair!

— Aonde você vai?

— Pra São Paulo.

A xícara quase caiu das mãos da cozinheira.

— Santas Almas! São Paulo?

— É...

— Menino, você ficou maluco? Fazer o que em São Paulo, sozinho, sem autorização dos seus pais?

— Prometo que volto amanhã cedo... — E foi em direção à garagem.

Benedita foi atrás.

— Pelo amor de Deus, Vando, volte aqui! Que maluquice é essa?

Vando colocou o capacete e ligou o motor.

Uma nuvem de fumaça provocou tosse em Benedita.

— Volto amanhã cedo, antes do pessoal, Benê... — Acenando enquanto se afastava, ainda atirou-lhe um beijinho.

O enigma da casa de vidro - Cap. 3

Quando deu acordo de si, estava com as chaves na mão. Mas por que as palavras de Benedita, o desabafo de dona Norma e as explicações do pai continuavam martelando na sua cabeça?

Devolvendo as chaves ao lugar, subiu para o quarto.

Banho, telefonema para Glorinha, os mesmos papos... Estava se sentindo estranho. Esquisito! Tinha deixado transparecer porque Glorinha perguntou o que estava acontecendo.

— Você está diferente... falando mole... Até parece que não dormiu direito! — disse ela.

Vando, porém, não comentou nada. Glorinha acabaria dando risada se soubesse que ele estava encucado com a história de Benedita.

A tarde terminou. Pelas sete, a empregada subiu ao quarto para avisar que o jantar estava servido. Deitado sem camisa, Vando ouvia música tão alto que Benedita teve de gritar.

— Vou indo! — E saltou da cama.

Desceu pulando os degraus do jeito que sua mãe detestava.

Sentada à mesa, bonita, de cabelo curto e grandes olhos escuros, Magali fazia questão de ser elegante e impecável. Vando adorava-a exatamente por ser tão refinada.

— Meu filho! — Ela assumiu um ar reprovativo. — Quando você vai aprender que um cavalheiro não desce a escada pulando os degraus? — Magali suspirou. — Desisto de lhe ensinar boas maneiras!

— Conheço as regras, mãe. Acontece que faço isso pra te aborrecer. Eu te adoro, sabe? — E deu-lhe um beijo.

— Oh, você...

Começaram a se servir.

— Fonseca — disse a esposa —, esta tarde estive conversando com Emília. Ela disse que em Campinas há um conjunto que tocaria de graça na nossa festa de caridade.

— É?

— Acontece que alguém precisa ir conversar com eles — prosseguiu Magali. — Então, eu disse que nós poderíamos!

— Ô, Magali, será que nunca teremos um fim de semana sossegado?

— Meu bem, eu já prometi! Agora não posso voltar atrás...

Vando começou a rir, e o pai revirou os olhos.

— Está bem, Magali, iremos. Mas fique você avisada: no fim de semana que vem, não saio nem amarrado desta casa!

— Você é um anjo, Fonseca!

— A que horas saímos?

— Depois do almoço.

Magali sorriu e voltou-se para o filho: — E você, Vando, não gostaria de ir conosco?

— Ah, não, obrigado! Tenho um monte de compromissos inadiáveis!

— Já sei o nome desses compromissos.— Magali piscou. — Eles se chamam Glorinha, não é?

O enigma da casa de vidro - Cap. 2

Deixando a cozinha, Vando entrou em uma sala espaçosa, onde os móveis eram escuros e viam-se gradis, estantes de ferro, muitas plantas, objetos de prata, cristais de Magali, a coleção de armas do doutor Fonseca, o lustre de madeira — um lugar frio no qual raramente o Sol chegava.

Ali, Vando parou. A voz de Benedita continuava na sua memória e o nome de Cacilda pareceu-lhe algo avermelhado, semelhante a fogo. Então se deu conta de que a história de Benedita o impressionara.

Olhou para a porta do escritório do pai. Que histórias estaria ele ouvindo? O que dona Norma estaria dizendo?

Sentou-se nas almofadas sobre o banco de alvenaria no canto da parede, abaixou os vidros que davam para o jardim e ficou observando o trabalho do vento. Aí, começou a pensar em Glorinha — tinha um encontro com ela no sábado, na danceteria. Que férias chatas, aquelas! E ele que tanto tinha pensado em passar uma semana na praia...

Continuava pensativo quando ouviu vozes e viu dona Norma saindo. Era baixa e tinha cabelo grisalho.

— Faça o que o senhor achar melhor — disse ela. — Jamais porei os pés na casa onde ela matou meu filho!

E o advogado, em pé à porta:

— Pode deixar. Darei um jeito em tudo.

Dona Norma respirou fundo:

— Obrigada, doutor... e cuidado! Ela era feiticeira. Deve ter deixado o mal naquela casa. Por favor, tenha muito cuidado!

— Não se preocupe. Sei tomar conta de mim.

Então, com passos rápidos, dona Norma atravessou o jardim e desapareceu.

Fechando a porta do escritório, doutor Fonseca entrou na sala. Viu o filho olhando para fora.

— Oi, Vando.

— Oi, pai...

— Algum problema?

— Quem era aquela mulher?

— E indicou com a cabeça.

— Uma cliente que me pediu para cuidar de uma herança.

— A do Miguel Júlio?

— Como você sabe?

— A Benedita me contou.

— A Benedita é quem deveria ser o advogado nesta casa. Ela sempre sabe de tudo antes de nós.

— É verdade o que a Benedita disse?

— O que ela disse?

— Que o Miguel Júlio se casou com uma moça de olhos verdes e cabelo vermelho. Depois, sofreu um acidente e morreu de um modo que ninguém nunca soube explicar... A Benedita também falou que a dona Rosa-benzedeira já havia prevenido dessas desgraças bem antes de acontecer porque sentia algo muito estranho na tal mulher de cabelo de fogo.

O advogado riu.

— Não sei, filho — respondeu. — Há coisas que não conseguimos explicar. Minha experiência me ensinou que devemos aceitar aquilo que não compreendemos, e sobre o caso de Miguel Júlio ainda não sei nada. Talvez eu possa dizer alguma coisa depois de visitar a casa, em São Paulo...

— Poxa, o senhor vai lá?

— Vou.— E, dizendo isso, doutor Fonseca abriu a mão deixando à mostra duas chaves douradas presas a um cartão vermelho com o endereço. — Aqui as chaves... Vou fazer o inventário e pedir a um corretor que coloque o imóvel à venda. Dona Norma disse que a casa foi fechada pouco depois da morte do filho...

— Faz tempo?

— Quase três anos.— E colocou as chaves na estante.

— Por que ela demorou tanto tempo assim para se mexer?

— Porque não tinha coragem para enfrentar os fatos.

Benedita apontou na porta:

— Telefone, doutor. Do Fórum.

Fonseca agradeceu e foi atender.

Vando continuou no mesmo lugar. Porém com os olhos fixos nas duas pequenas chaves.