quinta-feira, 30 de janeiro de 2025
sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
O enigma da casa de vidro - Cap. 4
O sábado amanheceu ótimo para uma piscina. Vando pulou da cama e desceu correndo para a cozinha. Sentando-se à mesa, começou a tomar café.
— Cadê o povo?
— Sua mãe foi ao cabeleireiro e seu pai saiu.
— Glorinha telefonou?
— Não, graças a Deus.
— E por que graças a Deus?
— Porque ela fica duas horas falando como se eu não tivesse o que fazer!
Depois do café, quarto e música. Talvez jogasse futebol ou fosse à piscina à tarde. Por volta de meio-dia, desceu para almoçar. Sem pular os degraus.
Após a sobremesa, os últimos preparativos. Magali aproveitava para exagerar em tudo — e quem corria era Benedita. Só parou um pouco ao sentar-se no automóvel.
— Vando — segurou o filho pelo braço —, nada de extravagâncias durante a nossa ausência, hein?! Voltamos domingo à noite.
— Está bem, mãe — Vando deu-lhe um beijo de despedida. — Pode ir sossegada.
Quando o automóvel virou a esquina, a cozinheira desabafou:
— Sua mãe vai acabar me deixando maluca! — E entrou na casa.
Vando também entrou e sentou-se nas almofadas da sala. Pensava em Glorinha, na piscina, na balada à noite... Até que seus olhos foram atraídos pelas chaves. O corpo estremeceu, como se tocado por eletricidade. Por que elas o fascinavam tanto?
Levantou-se. A ideia era voltar para o quarto e ouvir música. Mas aquelas chaves...! Então foi até elas, pegou-as e ficou observando-as na palma da mão: estremeciam a cada batida do seu coração, como se tivessem vida própria. Ao mesmo tempo, pareceu ouvir um eco dentro de si: "Jamais porei os pés na casa onde ela matou meu filho!... Cuidado! Ela era feiticeira. Deve ter deixado o mal naquela casa... tenha muito cuidado!".
De repente, uma ideia absurda lhe iluminou o rosto. Embora não curtisse histórias de terror, reconheceu que uma força estranha começava a dominar-lhe a vontade.
— Rapaz! — disse, baixinho. — Por que não pensei nisso antes? Guardando as chaves no bolso, correu ao telefone:
— Gló? Tenho uma notícia pra você: não vou à piscina à tarde nem te encontrar à noite. É que preciso viajar pra São Paulo...
Do outro lado, a voz estrilou.
— Preciso ir, Gló! Não, não vou com amigos, vou sozinho, de moto. Por quê? É que tenho uma coisa importante a fazer... Por telefone não posso explicar. Eu...
Irritada, Glorinha desligou. — Bestinha! — xingou Vando, batendo o telefone. Correu até a cozinha.
— Benedita, vou sair.
— É só os seus pais virarem as costas e você inventa de bater asas. Não ouviu o que sua mãe disse?
— Mas acontece que preciso sair!
— Aonde você vai?
— Pra São Paulo.
A xícara quase caiu das mãos da cozinheira.
— Santas Almas! São Paulo?
— É...
— Menino, você ficou maluco? Fazer o que em São Paulo, sozinho, sem autorização dos seus pais?
— Prometo que volto amanhã cedo... — E foi em direção à garagem.
Benedita foi atrás.
— Pelo amor de Deus, Vando, volte aqui! Que maluquice é essa?
Vando colocou o capacete e ligou o motor.
Uma nuvem de fumaça provocou tosse em Benedita.
— Volto amanhã cedo, antes do pessoal, Benê... — Acenando enquanto se afastava, ainda atirou-lhe um beijinho.
O enigma da casa de vidro - Cap. 3
Quando deu acordo de si, estava com as chaves na mão. Mas por que as palavras de Benedita, o desabafo de dona Norma e as explicações do pai continuavam martelando na sua cabeça?
Devolvendo as chaves ao lugar, subiu para o quarto.
Banho, telefonema para Glorinha, os mesmos papos... Estava se sentindo estranho. Esquisito! Tinha deixado transparecer porque Glorinha perguntou o que estava acontecendo.
— Você está diferente... falando mole... Até parece que não dormiu direito! — disse ela.
Vando, porém, não comentou nada. Glorinha acabaria dando risada se soubesse que ele estava encucado com a história de Benedita.
A tarde terminou. Pelas sete, a empregada subiu ao quarto para avisar que o jantar estava servido. Deitado sem camisa, Vando ouvia música tão alto que Benedita teve de gritar.
— Vou indo! — E saltou da cama.
Desceu pulando os degraus do jeito que sua mãe detestava.
Sentada à mesa, bonita, de cabelo curto e grandes olhos escuros, Magali fazia questão de ser elegante e impecável. Vando adorava-a exatamente por ser tão refinada.
— Meu filho! — Ela assumiu um ar reprovativo. — Quando você vai aprender que um cavalheiro não desce a escada pulando os degraus? — Magali suspirou. — Desisto de lhe ensinar boas maneiras!
— Conheço as regras, mãe. Acontece que faço isso pra te aborrecer. Eu te adoro, sabe? — E deu-lhe um beijo.
— Oh, você...
Começaram a se servir.
— Fonseca — disse a esposa —, esta tarde estive conversando com Emília. Ela disse que em Campinas há um conjunto que tocaria de graça na nossa festa de caridade.
— É?
— Acontece que alguém precisa ir conversar com eles — prosseguiu Magali. — Então, eu disse que nós poderíamos!
— Ô, Magali, será que nunca teremos um fim de semana sossegado?
— Meu bem, eu já prometi! Agora não posso voltar atrás...
Vando começou a rir, e o pai revirou os olhos.
— Está bem, Magali, iremos. Mas fique você avisada: no fim de semana que vem, não saio nem amarrado desta casa!
— Você é um anjo, Fonseca!
— A que horas saímos?
— Depois do almoço.
Magali sorriu e voltou-se para o filho: — E você, Vando, não gostaria de ir conosco?
— Ah, não, obrigado! Tenho um monte de compromissos inadiáveis!
— Já sei o nome desses compromissos.— Magali piscou. — Eles se chamam Glorinha, não é?
O enigma da casa de vidro - Cap. 2
Deixando a cozinha, Vando entrou em uma sala espaçosa, onde os móveis eram escuros e viam-se gradis, estantes de ferro, muitas plantas, objetos de prata, cristais de Magali, a coleção de armas do doutor Fonseca, o lustre de madeira — um lugar frio no qual raramente o Sol chegava.
Ali, Vando parou. A voz de Benedita continuava na sua memória e o nome de Cacilda pareceu-lhe algo avermelhado, semelhante a fogo. Então se deu conta de que a história de Benedita o impressionara.
Olhou para a porta do escritório do pai. Que histórias estaria ele ouvindo? O que dona Norma estaria dizendo?
Sentou-se nas almofadas sobre o banco de alvenaria no canto da parede, abaixou os vidros que davam para o jardim e ficou observando o trabalho do vento. Aí, começou a pensar em Glorinha — tinha um encontro com ela no sábado, na danceteria. Que férias chatas, aquelas! E ele que tanto tinha pensado em passar uma semana na praia...
Continuava pensativo quando ouviu vozes e viu dona Norma saindo. Era baixa e tinha cabelo grisalho.
— Faça o que o senhor achar melhor — disse ela. — Jamais porei os pés na casa onde ela matou meu filho!
E o advogado, em pé à porta:
— Pode deixar. Darei um jeito em tudo.
Dona Norma respirou fundo:
— Obrigada, doutor... e cuidado! Ela era feiticeira. Deve ter deixado o mal naquela casa. Por favor, tenha muito cuidado!
— Não se preocupe. Sei tomar conta de mim.
Então, com passos rápidos, dona Norma atravessou o jardim e desapareceu.
Fechando a porta do escritório, doutor Fonseca entrou na sala. Viu o filho olhando para fora.
— Oi, Vando.
— Oi, pai...
— Algum problema?
— Quem era aquela mulher?
— E indicou com a cabeça.
— Uma cliente que me pediu para cuidar de uma herança.
— A do Miguel Júlio?
— Como você sabe?
— A Benedita me contou.
— A Benedita é quem deveria ser o advogado nesta casa. Ela sempre sabe de tudo antes de nós.
— É verdade o que a Benedita disse?
— O que ela disse?
— Que o Miguel Júlio se casou com uma moça de olhos verdes e cabelo vermelho. Depois, sofreu um acidente e morreu de um modo que ninguém nunca soube explicar... A Benedita também falou que a dona Rosa-benzedeira já havia prevenido dessas desgraças bem antes de acontecer porque sentia algo muito estranho na tal mulher de cabelo de fogo.
O advogado riu.
— Não sei, filho — respondeu. — Há coisas que não conseguimos explicar. Minha experiência me ensinou que devemos aceitar aquilo que não compreendemos, e sobre o caso de Miguel Júlio ainda não sei nada. Talvez eu possa dizer alguma coisa depois de visitar a casa, em São Paulo...
— Poxa, o senhor vai lá?
— Vou.— E, dizendo isso, doutor Fonseca abriu a mão deixando à mostra duas chaves douradas presas a um cartão vermelho com o endereço. — Aqui as chaves... Vou fazer o inventário e pedir a um corretor que coloque o imóvel à venda. Dona Norma disse que a casa foi fechada pouco depois da morte do filho...
— Faz tempo?
— Quase três anos.— E colocou as chaves na estante.
— Por que ela demorou tanto tempo assim para se mexer?
— Porque não tinha coragem para enfrentar os fatos.
Benedita apontou na porta:
— Telefone, doutor. Do Fórum.
Fonseca agradeceu e foi atender.
Vando continuou no mesmo lugar. Porém com os olhos fixos nas duas pequenas chaves.