sábado, 3 de dezembro de 2022

Seleção ou Sucessão?

Luciano Pires

Durante a Copa, fomos bombardeados pela midia falando dos convocados e do esquema de jogo.

Milhares de páginas e horas discutiram o plano do treinador, as estratégias e táticas, as ameaças e oportunidades e os competidores. Afinal, tem coisa mais importante que ganhar a Copa? Tem.

Na campanha presidencial de 2002, assistimos aos discursos, à propaganda televisiva e à lengalenga de sempre de três ou quatro candidatos com chances de assumir a direção do Esporte Clube Brasil S.A. E o que discutimos?

Qual marqueteiro levaria vantagem. Qual campanha televisiva seria a mais criativa. Os novos ternos do Lula. A antipatia do Serra. O falatório do Garotinho. A mulher do Ciro.

A mídia medíocre ocupando espaços com temas medíocres, ajuda a moldar uma geração de analfabetos políticos.

Discutimos os acessórios. O principal, os PROGRAMAS, as propostas concretas para dar continuidade ao crescimento do País, ficaram em segundo plano.

Se discutíssemos a sucessão como discutimos a Seleção, com certeza teríamos mais inteligência, valor e conseqüência. Mas parece que a Seleção é mais importante que a sucessão.

Essa discussão vazia cria os analfabetos políticos, tão bem descritos por Bertold Brecht, escritor e teatrólogo alemão, no texto a seguir:

"O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política
Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das multinacionais."

Eu já topei com analfabetos políticos. Gente que se orgulha de dizer que não gosta de política, que não vai votar "nisso que está aí", votando em branco ou anulando ou simplesmente não votando.

"O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil, que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das multinacionais." (Brechet)

Uma espécie de protesto burro, que coloca nas mãos de terceiros seu próprio destino. Tenho notado no Brasil uma profunda ignorância sobre o que vem a ser política. Como faz com todos os problemas complexos, inclusive com o esquema tático da Seleção, o brasileiro simplifica. Reduz a política a troca de favores, a conchavos, a coisa de gente desonesta, disposta a tirar vantagens pessoais...

E tudo passa a ser "sempre assim..." e vira piada. Tá bom, fazer humor de suas desgraças faz parte do código genético do brasileiro, mas deixar o destino nas mãos de terceiros, não. Isso é burrice, para dizer o mínimo. Coisa de pocotó. E quem vota, sem analisar propostas, apenas interessado em benefícios imediatos ou no discurso "bonito" dos candidatos, é o que? Semi-analfabeto político! Pois tenho uma má notícia. Nosso destino está nas mãos de alguns milhões de semi-analfabetos políticos! Alguém duvida?

Se um programa de tevê é capaz de eleger um presidente da República da mesma forma como elege o vencedor do reality show... estamos encrencados. Essa constatação me leva a uma súplica.

Para que os meios de comunicação de massa, que hoje discutem o acessório, iniciem um processo de alfabetização política. Ainda há tempo.

Na próxima eleição, em vez de falar da barba aparada do Lula, falar de suas propostas. Em vez de falar do primo do Serra, falar de sua receita para o Brasil voltar a crescer. Que tal analisar de forma objetiva, inteligível para a população, os planos dos próximos candidatos?

Explicar o que existe de bom e o que é lengalenga? Dizer por quais razões não dá para praticar uma ruptura ou manter o modelo atual? Avaliar o currículo de cada candidato e suas possibilidades de cumprir as promessas? Avaliar quem são os prováveis ministros de cada candidato, quais suas idéias?

Da mesma forma como fazemos com a Seleção.

Se um programa de tevê é capaz de eleger um presidente da República da mesma forma como elege o vencedor do reality show...
estamos encrencados.

Essa comparação, se devida e repetidamente feita, com linguagem simples e didática, prestará ao Brasil um serviço maior que os milhares de minutos e páginas gastos diariamente com superficialidades.

Quando a mídia de massa começar a tratar seus leitores e espectadores como algo mais que analfabetos políticos, começaremos a mudar este País. E talvez ganhemos algo mais importante que a Copa.


Luciano Pires
Luciano Pires é escritor, cartunista, criador e apresentador dos podcasts Café Brasil, LíderCast e Cafezinho e interessado em ajudar você e sua equipe a refinar sua capacidade de julgamento e tomada de decisão.


Extraído PIRES, Luciano. Brasileiros Pocotó, Reflexões sobre a mediocridade que assola o Brasil, São Paulo, ed. 1, p. 75-77, 2003.

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