domingo, 22 de dezembro de 2024

O enigma da casa de vidro - Cap 1

A moto atravessou o jardim e estacionou na garagem. Ali, Vando tirou o capacete vermelho e apeou.

Cabelo castanho, forte, desportista, naquela tarde Vando vestia camiseta, calça desbotada e tênis areia.

Atravessando o corredor, entrou pela porta da cozinha. Benedita acabava de despejar água na panela, quando, abrindo a geladeira, ele roubou um doce. Depois, puxou a orelha de Benedita.

— Fica quieto, moleque!

— Cadê o pessoal?

Sua mãe saiu. Foi à casa de dona Emilia tratar daquela festa de caridade...

— Já sei. E Vando arremedou a mãe: "Benedita, se alguém telefonar, diga que saí para arranjar dinheiro pros meus pobres!".

Benedita caiu na risada:

Você não toma jeito, menino! Se sua mãe escuta...

E o pai?

Com uma cliente, no escritório. Arregalando os olhos, Benedita abaixou a voz. Sabe quem? Dona Norma Campos!

— Poxa, pelo jeito que você fala, dona Norma Campos deve ser a pessoa mais importante do mundo!

— É a mãe de Miguel Júlio, se você quer saber. Não se lembra dele?

— Eu não!

— É... Acho que não se lembra mesmo. Naquele tempo você ainda não se interessava por esse tipo de assunto.

— Que que foi, Benedita? — Vando encostou-se na pia. — Você mudou de cara!

A empregada suspirou.

— O casamento do Miguel Júlio foi muito comentado.

— Abrindo a torneira, enfiou um pé de alface debaixo do jato d'água.

— Miguel era um rapaz bonitão... namorador... Todas as moças da cidade morriam por causa dele. Até que, um dia, chegou uma desconhecida. Muito bonita, sabe? Tinha cabelo vermelho, olhos verdes e jeito de rainha. E todos os homens se assanharam por ela...

— É daí?

— Pra encurtar a história, o Miguel se casou com ela. O casamento foi em São Paulo, ninguém daqui recebeu convite. Sendo a noiva muito rica, eles foram passar a lua de mel no estrangeiro, e todo mundo ficou morrendo de inveja. Mas coitado do Miguel! Se a gente soubesse o futuro que ele ia ter, tinha tido mais dó do que inveja.

— Por quê? O que aconteceu?

— Aconteceu um desastre de automóvel, e ele ficou paralítico, na cadeira de rodas. Mais tarde, morreu.

— É assim que acaba a história misteriosa do Miguel Júlio namorador?

— Não! — Benedita continuou séria. — O diabo é que, até hoje, ninguém sabe direito como ele morreu. Muita gente andou falando em "coisa feita". Aquela mulher de cabelo vermelho tinha uma cara... e os olhos verdes, então? Pareciam do diabo. Conhece dona Rosa, a benzedeira?

Vando fez que sim.

— Quando a mulher de cabelo de fogo apareceu por aqui, dona Rosa falou que sentia alguma coisa estranha nela, e procurou convencer Miguel Júlio a desistir do casamento. Ele riu e disse que a benzedeira não estava batendo bem. Aí dona Rosa foi procurar a mãe dele, dona Norma. Essa mesma que está aí, agora, conversando com seu pai. Falou para ela que temia uma desgraça... Que era uma intuição muito forte... Mas nem dona Norma aceitou e tudo acabou do jeito que acabou... Como a benzedeira tinha falado.

Benedita se calou.

— Qual é, Benedita? Você não vai querer que eu acredite nessa história, vai?...

— Não quero que você acredite em nada — respondeu ela, abrindo a geladeira.

— Só contei para você que, neste momento, no escritório do seu pai, está dona Norma, a mãe de Miguel Júlio! Você que quis saber a história dele.

Pensando naquelas palavras, Vando deu as costas e caminhou até a porta. Então voltou-se:

— Como era o nome dela, Benedita?

— De quem?

— Da mulher do cabelo de fogo...

A voz saiu arrancada:

— Cacilda.